Dossiê “Patrimônio cultural, música e mídias”

2024-10-17

Editores convidados: Amílcar Almeida Bezerra (UFPE) e Luiz Henrique Assis Garcia (UFMG)

Reprodutibilidade e mediatização técnica transformaram nossas relações com o som ao torná-lo “objetificável”. Uma das possibilidades abertas pela gravação foi seu uso para registro documental de expressões culturais. Esse veio também tomou fôlego com a possibilidade de registrar depoimentos relativos a acontecimentos históricos, afetando a construção da memória e a forma de narrar a História, e histórias, através de museus e coleções. Discutir o som gravado e a música popular como objetos das operações de patrimonialização e musealização passa necessariamente por examinar sua produção como artefatos depositários de atributos e representação sociais em permanente reelaboração. Neste intuito, uma pista importante nos oferece o trabalho de Sterne (2003), especialmente quando escava a história cultural do vínculo entre vida-morte e passado-presente através dos primeiros registros sonoros e as expectativas produzidas sobre eles.

Destacamos que a música popular, tida tradicionalmente como uma forma bastarda e desvalorizada por seu vínculo com o mercado e a indústria cultural, passou a ser reconhecida pelas instituições de consagração do patrimônio, especialmente a partir da segunda metade do século XX, inclusive por ser um elemento bastante utilizado por grupos e indivíduos para conferir significados e construir identidades, participando das apropriações plurais que transformam o patrimônio disposto no espaço urbano, dentro e fora de contextos institucionais.

Considerando o cenário do patrimônio cultural de modo mais amplo, e o museológico em particular, podemos constatar que, acrescidas a iniciativas consolidadas - como discotecas associadas a instituições arquivísticas, coleções museológicas de instrumentos musicais presentes em museus enciclopédicos, históricos ou etnográficos, museus dedicados especificamente à música ou na tipologia imagem e som, museus-casa dedicados a figuras socialmente consagradas no campo da música – somaram-se outras dedicadas a gêneros específicos, às relações entre artistas e o cenário urbano, circuitos e rotas musealizadas, e diversas iniciativas de registro, salvaguarda e promoção encampadas nas políticas públicas dedicadas ao patrimônio imaterial. Importante ressaltar que a valorização da música popular como patrimônio em nosso país detém considerável pioneirismo, como mostra Cláudia Mesquita (2003) em seu estudo sobre o MIS do Rio de Janeiro.

Recentemente, o IPHAN concedeu ao forró o título patrimônio cultural imaterial brasileiro, abrindo possibilidades tanto para a discussão de um conceito de patrimônio imaterial aplicado a manifestações culturais amplamente registradas e disseminadas em mídias sonoras e audiovisuais, quanto para a própria ideia de indústria cultural como matriz de bens culturais potencialmente sujeitos à patrimonialização. Hoje, quando as novas tecnologias de comunicação criam condições para a digitalização e o compartilhamento em massa de todo o material já gravado em mídias materiais, as relações entre mídia e patrimônio necessariamente se reconfiguram.  

Queremos sobretudo averiguar as mediações determinantes para tal processo de patrimonialização, especialmente no caso brasileiro, partindo da premissa de que as mudanças sociais e tecnológicas que envolvem a produção e circulação de música popular hoje, na tensão entre materialidade e imaterialidade, com o declínio de certas mídias, ascensão de outras (especialmente os portais de streaming), desafiam os museus e demais instituições que se dedicam a desenvolver novas políticas patrimoniais voltadas a esta tipologia de acervo, num contexto em que novos meios modificam as relações de produção, circulação e consumo da mesma.

Período de submissão: até 15 de janeiro de 2025

Previsão de publicação: junho de 2025